10/10/2006

Colo!

Hoje quando ia para as aulas deparei com duas alunas lavadas em lágrimas, por motivos diferentes.
Acolhi-as, ouvi-as e mandei-as lavar a cara e beber água.
Neste entretanto ouvi uma dizer:
Vá lá Rita, fala com a s'tôra. Ela dá-te colo!

Ouvir os seus dramas e acolhê-las faz parte da minha missão.
E é tão dura!

Cheguei à escola carregada, com a mochila cheia de incertezas e a alma pesada.
Hoje não me apetecia estar com eles nem ouvi-los.
Esforço daqui, puxão dacolá e "vamos lá a tocar o barquinho que para a frente é que é o caminho..."

Escutei-as.
Ao longo da aula fui observando e rindo interiormente com pensamentos malucos: se era para dar colo, então porque motivo deixei a aula seguir normalmente?
Pobrezitas, não percebem nada!
E o jogo continuou ao longo dos noventa minutos.

Depois do toque da campainha falei com cada uma individualmente. As palavras escoaram lentamente, sem subterfúgios e sem pretensos proteccionismos.
A cada uma falei de coração aberto.
Pobrezitas, tão novinhas e já com tantos medos de perda...
Os pais discutiram. Tenho medo do que possa acontecer...
Frases interrompidas, palavras suspensas e medo, muito medo.
Meu Deus, como podem sofrer tanto?

No fim perceberam que aquilo do colo passava e passa pela atenção que lhes dou, passava e passa pelo diálogo que estabeleceram, passava e passa pela confiança que sentem em alguém, mais velho, que não está ali para chamar apenas a atenção mas para ouvir, ouvir, ouvir.

Como sempre, não lhes vendo soluções, ajudo-os a perceber as situações, o nervosismo dos mais velhos perante a vida e que descarregam, quase sempre, no mais fraco e fragilizado.

Percebi que a minha peregrinação passa por estes caminhos ainda por desbravar, passa pelas vielas da vida e pelos lugares mais recônditos dos corações.
Estarei no lugar certo?
Saberei responder aos anseios dos/as adolescentes?

Meu Deus, o caminho da Cruz é a cada dia que passa mais difícil. Sião parece cada vez mais longe e eu sei que não estou à altura daquilo que me pedes: conduzir jovens.
Dá-me discernimento e coragem para me manter atenta.
Abre-me o coração para a disponibilidade e a tranquilidade de que necessitam.

Ah! É verdade!
Não me apetecia ouvi-los e ouvi-os e atendi-os com a maior das satifações. Eles ajudam-me a combater-me e a lutar contra um certo mal-estar interior...

Hoje ganhei uma turma. A minha direcção de turma.


8 comentários:

Anónimo disse...

Peregrina... não temas... Estás no lugar certo..porque o lugar certo nunca é aquele que escolhemos mas aquele que nos é indicado pelo AMOR...

Ora por este andarilho..o deserto seca a alma e a dor fere os pés cansados no Tango do Aleluia...

Andante disse...

Duvidas da falta da minha oração?
Estás presente!

O Tango do Aleluia está reservado para os corações inquietos, não para os despreocupados...

Pousa a mochila e descansa pois o Pai Santo não se cansa de te olhar e pedir mais e mais. Ele tem algo para ti que tu, na tua inquietação, ainda estás a procurar qual criança pequena a ensaiar os primeiros passos da dança da vida.

Doce Andarilho, recebe um beijo nessa alma, que não está seca, duma peregrina andante que ainda não percebeu muito bem o caminho.

joaquim disse...

Não estou nada preocupado andante, porque sei no meu coração que estás no lugar certo, e atrevo-me a dizer por chamamento de Deus.
Sim, que Deus chama-nos à vocação onde somos mais precisos de acordo com a Sua Omnisciência.
Preocupa-me outra coisa que escreveste no teu post:

"Pobrezitas, tão novinhas e já com tantos medos de perda...
Os pais discutiram. Tenho medo do que possa acontecer...
Frases interrompidas, palavras suspensas e medo, muito medo.
Meu Deus, como podem sofrer tanto?"

Pois é, anda o mundo muito convencido que os divórcios, etc, são coisas normais e perfeitamente aceites por todos, até pelos filhos e afinal continua a ser um dos maiores medos dos filhos, o que se constata aqui e todos os dias.
Graças a Deus que a minha familia é estável, no entanto sou por vezes surpreendido com perguntas dos mais novos, sobretudo quando no Colégio sabem alguma "novidade" desse tipo.
Dizem-me com ar preocupado e ansioso:
Pai, tu e a mãe nunca se vão separar pois não!!

Se nós pais penssássemos mais nos filhos e menos nos nossos orgulhos e vaidades, não haveria tanta tristeza nas crianças, apenas para ser brando.
Obrigado andante pelo que fazes pelas nossas crianças.
Abraço em Cristo
Joaquim

Anónimo disse...

É preciso sabermos abraçar a Cruz,tal como Jesus fez o mesmo.
Ao nosso lado está sempre quem esteja a precisar de um pucarinho de água....

Andante disse...

As pessoas estão mais voltadas para o seu umbigo que para os que lhes estão à frente.
É este o grande drama da nossa sociedade: eu, eu, eu. Os outros? Os outros que se amanhem.

É a grande realidade das sociedades actuais.

Beijos peregrinos aos dois

Anónimo disse...

"Cheguei à escola carregada, com a mochila cheia de incertezas e a alma pesada.
Hoje não me apetecia estar com eles nem ouvi-los."

Estou com os comentadores anteriores. Estás a ver que é o lugar certo ?

Abrençãos,
Malu

José Brito,sj disse...

Obrigado por esta partilha.
Obrigado pelas visitas ao optimista...
e já agora dá um salto aos "Toques de Deus" toquesdedeus.blogspot.com...

duarnte dois anos trabalhei diariamente com adolescentes.... acolher na verdade do que somos é sempre o caminho.
abraço

Andante disse...

Obrigada pela força Zé Maria.
Isto é um desatino! Descobro a blogosfera e não quero outra coisa...

Beijos peregrinos