23/07/2008

Enfermaria C


Vou voltar a falar dos meus dias no hospital.

As imagens que lá deixei não conseguem abandonar-me


Quando saí, tive o cuidado de olhar cada uma nos olhos, vi gritos de angústia, de medo, de solidão, de desamparo.

Algumas, poucas, como eu, entram e saem, “aquecendo” pouco tempo o lugar.

Outras, a maioria, permanecem meses longos de internamento, sem solução à vista.

Há-as em estado terminal, com múltiplos problemas diagnosticados.

Enquanto outras continuam em estado de observação, com muita vontade de regressarem a casa, mas sem condições de o fazerem. Podem entrar em colapso e os médicos não arriscam.


Vou deter-me na cama 29.

Fica junto à porta, bem longe da janela, com a impossibilidade de receber qualquer frescura nestes dias cálidos de Verão.


A D. Amélia observava tudo à sua volta em silêncio. Só falava quando lhe dirigiam a palavra. Uma mulher mais de olhar que de se manifestar.

Olhar atento a tudo o que a rodeava, não manifestava o desespero que lhe ia lá dentro.

Nos dias que lá passei, não lhe vi visitas. Eram as visitas das outras que lhe dirigiam a palavra, que a acarinhavam, que lhe davam atenção.

Eu não me pude queixar.

Não dei a conhecer o meu internamento para não ser bombardeada. Experiências anteriores puseram-me de sobreaviso. Não podia comprometer tudo pela corrida de familiares e amigos que, se pudessem, mudavam para lá o Passeio Público (risos). Mas não escapei de todo!

Foi por essas amigas que soube o nome da senhora.

Como trabalham no hospital, não necessitam de cartões para acederem às enfermarias.

A D. Amélia, com uma postura erecta, é uma senhora!

Também da minha paróquia… só que não conheço quase ninguém!

(Há muitas pessoas que me cumprimentam, perguntam pela saúde e pela família. Respondo sempre com cortesia, embora me interrogue de onde nos conhecemos? Claro que só pode ser da eucaristia! Sinto-me sem jeito.)

Olhar doce e triste, muito triste!

Não lhe dei tempo para falar… Estava com as minhas dorzitas que se curam rapidamente, enquanto as dela!?


Tenho saudades da enfermaria C.

Não vou voltar lá!

Vai ser impossível, mas vou guardá-las, a todas, no mais íntimo de mim própria.

2 comentários:

Anónimo disse...

Querida Andante, a partilha dessas vivências é tal que eu própria como que me sinto "envolvida" nelas... Afinal, convivências.

Para quando um livro com uma escrita tão fluente e rica?

Apetece-me, pedindo desculpas à autora, terminar com beijos peregrinos - eheheheh....

BOM DIA!

Andante disse...

Estás à vontade.

Todos estamos em peregrinação.

Beijos peregrinos