21/07/2008

Regressei!

Regressei ontem do hospital.

Foi uma experiência algo traumática pelas condições que lá se vivem.


Logo na quinta-feira, tal como me tinham dito, cheguei pelas oito e trinta.

Fiquei no corredor, com outras pessoas que esperavam internamento.

A funcionária que faz a admissão chegou depois das nove horas.

Vivem-se momentos de alguma confusão e apreensão.

Entretanto, o meu filho saiu, tinha que levar o pai ao IPO.

Dia complicado!...


Quando me chamaram disseram-me que ia para a cama 25. Passei a ser um número, até ao dia seguinte, quando alguém se lembrou de me perguntar o nome e escrevê-lo em local próprio.

Deixei de ser um número, passei a ter nome…

Cerca do meio-dia, mandam-me entrar e… deparei com uma enfermaria com dez camas.

Já estive internada várias vezes, sempre na saúde privada. Esta foi a minha primeira experiência no público.

Estamos em 2008, século XXI.

A saúde pública anda a anos-luz da privada!

Ouvia pessoas a gemer e a gritar!

Via pessoas a chorar e a maldizer a vida de tantas amarguras!

Fiquei caladinha no meu canto. Coube-me uma cama bem no fundo, junto da janela.

Ia louvando o meu Deus pelo verde das árvores, pelo canto dos pássaros, pelo ar fresco que me refrescava.

Nestas enfermarias não há privacidade.

Mudam-se fraldas, colocam-se aparadeiras, dá-se banho às doentes acamadas, come-se no mesmo espaço, fala-se alto, muito alto, sem respeito por nada nem por ninguém e há pouca higiene.


Pelo princípio da tarde aconselham-me a vestir a camisa de dormir e… chegam as visitas.

Mais barulho, muita ternura e grande cumplicidade.

Estendi-me na cama e continuei a ler o livro. Tinha que me abstrair de tudo e manter-me calma.

- O que é que tem?

- Vai ser operada?

- Eu estou internada desde Maio. A febre! Só quero que ela baixe para ir para casa.

Tanta miséria! Tanta dor! Tanto sofrimento!

Naquela enorme enfermaria, enquanto algumas se riam, bem-dispostas pela alta conseguida, outras olhavam com olhos mansos, como que a esconder o desânimo e a vontade de regressar a casa.

Sentia-se vida a falhar sem vislumbrar qualquer sentido!


As condições de internamento são bem deficientes!

Mas em questões de higiene pessoal também têm muito que se lhe diga!

Quatro enfermarias.

Cada uma com dez doentes.

Duas casas de banho e dois chuveiros.

De manhã, na altura da higiene pessoal, havia fila de espera.


Eu sei que está pensado um novo hospital para o Centro Hospitalar de Gaia-Espinho EPE.

Para quando?

Penso que será para… as calendas gregas!

Abrem estradas e permite-se que o litro da gasolina já tenha ultrapassado 1,50€. Para quê? Para ir a pé para o emprego?

Constroem-se aeroportos numa altura em que se estão a encerrar voos…

Aposta-se em comboios de alta velocidade para se passearem… vazios.

Falha-se na construção de equipamentos básicos de saúde.

Na educação das populações.

Na sua preparação para enfrentarem os novos desafios que, a velocidade de cruzeiro, se estão a instalar e para os quais não estamos preparados nem equipados.


Voltando à enfermaria C, ainda não acabaram as aventuras!

Na noite após a intervenção, contei quase todas as horas. Ouvia gemer, ressonar, gritar. Numa das horas em que as enfermeiras vieram à enfermaria para tomar o pulso à situação, uma doente estava a entrar em colapso. Subiu-lhe a temperatura, o pulso começou a enfraquecer, aumentava o desespero. Foram incansáveis e nunca pensaram que chegaria ao dia seguinte. Como não há ar condicionado e com as temperaturas elevadas que se têm feito sentir, colocaram-lhe uma ventoinha para a auxiliar a baixar rapidamente.

Quando tive alta a senhora estava com melhor aspecto, menos vermelha e a espraiar o olhar a tudo o que a rodeava.


Na sexta-feira chegou uma doente para a cama 24.

O que tem? Foi operada?

Sabe, vou fazer mastectomia.

E falou de um deus poderoso que comanda a vida sem dar tréguas. De um deus poderoso que tudo inspecciona e, do alto da cátedra, manipula tudo e todos.

Sabe, senhora, a Bíblia diz tudo sobre ele e diz-nos que está sempre atento. Chama-se Jeová!

Disse tudo e eu compreendi tudo!

Mais uma que se deixou levar pelo deus castigador, vigilante e sempre pronto a atacar, através da doença, aquel@s que lhe desagradam.


Na cama 26 estava a D. Deolinda. Mulher bonita, de cinquenta e quatro anos, e sofredora. Passava o tempo a dormir. Quando estava desperta dizia do seu sofrer e do seu desalento.

Mimada por todos, familiares e amigos, que lhe levavam petiscos, flores e fruta.


Eu não tive nada disso. (não estou triste! Mimaram-me muito)

Só posso comer cozidos e grelhados. Neste momento, apenas alimentos cozinhados, passados e quase líquidos.


Saí do hospital no sábado. Deixei para trás um mundo de dor e sofrimento, em que das dez internadas, talvez metade seja doente do foro oncológico.

Olhares tristes, desalentados e de muita solidão, embora bastante acompanhadas.


Como disse no início, foi uma experiência traumatizante e dolorosa.

Vivo e senti na pele uma realidade que desconhecia.

Eu quis fazer a experiência.

Podia ter feito a intervenção num hospital privado. Não quis. Foi uma opção!

Agradeço, contudo, ao Bom Deus ter estado sempre comigo.


Nota 1 Comecei a escrever o post ontem e só o consegui acabar hoje. Ainda me canso.

Nota 2 O meu marido foi hoje, novamente, ao IPO e, como as coisas não estão a correr bem, vai iniciar um tratamento mais agressivo, talvez vá servir de cobaia e voluntariar-se para enveredar por um que já está no terceiro ano de teste. A decisão é dele, nós apoiamos. no entanto vai aconselhar-se com o médico que diagnosticou o cancro.


4 comentários:

Anónimo disse...

Querida amiga, li com toda a atenção e muito silêncio e ternura todo o relato da partilha dessas vivências,nem sempre fáceis.
Realmente a vida é uma aventura... e a MC uma bem-aventurada.Nem pensar caír em pieguices. Que o nosso Bom Deus permita uma Vida mais doce e cheia de Esperança.
Um beijinho.Óptima recuperação.
MF.

Anónimo disse...

Olá amiga Andante, neste momento deixo te um grande beijinho. Espero que tudo corra bem. Sei que és forte e tenho a certeza que unida ao Bom Deus vais superando cada momento da vida. Estamos unidos no mesmo Espírito.

João Jordão

Anónimo disse...

Que aventura!!!! Cansada mas maqis rica!bem mais rica........
Coragem amiga e conta comigo.Tu sabes que estou aqui! Estou aqui!
Um abraço muito grande da maria Correia

Andante disse...

Olá amigas e amigo.
Agradeço as palavras de carinho que não vos cansais de me manifestar.
Gosto muito de vós.
Não é preciso dizê-lo, pois não?

Como dizia Saint Éxupéry "O essencial é invisível para os olhos..."

Ainda bem que te manifestaste João.
Tive a sensação que estavas cansado dos e das amigas.

Beijos peregrinos