19/08/2008

O festim dos pardais

Costuma dizer-se que o primeiro milho é para os pardais.
Só nunca tinha ouvido falar no Império dos pardais.
É este livro que estou a ler e também é passado no reinado de D. Manuel.
É interessante a abordagem que é feita pelo autor e a sua analogia com os pardais. Para ele, os pardais são os portugueses que se aventuraram no mar oceano enquanto os cristãos da Europa se entretinham a fazer as suas guerras para de algum modo aumentarem os seus territórios. São franceses contra ingleses e vice-versa; ingleses contra escoceses; alemães contra franceses, … no norte de África também os seguidores do Islão não se entendiam, bem como lá mais para o oriente, onde turcos, cristãos e muçulmanos andavam de costas voltadas.
Os portugueses aproveitaram a distracção de todos os outros e fizeram-se ao caminho, isto é, ao mar, tendo chegado onde até então nunca ninguém tinha chegado. Importa salientar que também as aventuras dos nossos ancestrais estavam carregadas de um forte pendor cruzadístico, visto que pretendiam levar até onde fosse possível o nome de Jesus e espalhar aos quatro ventos a sua mensagem.

Isto lembrou-me o evangelho do domingo passado, em que a mulher pagã pede a salvação da filha, possuída por espíritos impuros, e que o próprio Jesus, judeu, a trata como cão. A linguagem evangélica é muito bonita pois ao compará-la com os cães, os gentios, aqueles que não cumprem a lei judaica, aqueles que não são, nem podem entrar no Reino, segundo a lógica judaica, afirmam que a eles, tal como aos cães, apenas restam as migalhas, pois vivem nas franjas da sociedade.
E Jesus compadece-se. E Jesus olha para a mulher. E Jesus vê nela a que não tem homem, logo, a desamparada, a que está apenas condenada a sofrer e a ser olhada de lado, de forma cruel e impiedosa. E ela e a filha são os pardais, aqueles que comem o que sobra das aves grandes e poderosas que só depois de se terem saciado é que se dignam afastar e olhar para o lado. E ela e a filha sou eu, também descendente de pagãos, também em busca das migalhas que caem das mesas dos ricos e dos poderosos.

A minha mãe é uma mulher linda de 82 anos. É verdade que passa muito tempo sozinha, num grande casarão que foi feito a pensar numa grande família. Somos sete irmãos.
Paulatinamente e porque é essa a lei da vida, fomos saindo, saindo e, agora, apenas ao fim-de-semana vai tendo mais companhia. Eu também me tenho descuidado, mas os problemas cá de casa têm-me impedido de ir lá com mais frequência. E fico triste, pois sei que vai sofrendo de solidão. É verdade que telefono, mas telefonar não é ver nem estar, é, apenas, ouvir.
Já teve uma experiência, ou várias, na net. Tem endereço electrónico, só não tem computador…
Gosta de passear, de fazer experiências, bordar e fazer crochet. Todos os filhos, noras, netos e netas têm toalhas, panos e rendas. Também já viu os seus trabalhos expostos no salão nobre da Junta de Freguesia.
Mas… porque trouxe hoje a minha mãe?
Comecei por falar dos pardais, das aves grandes e da sua forma de viver a vida.
De modo a arranjar companhia deixou-se enredar pelos animais.
Cães são dois: o Torto (tem o focinho torto mas é de grande dedicação, brincalhão e maluco) e a Maluca (esta foi adoptada por mim e pelo meu filho. Alguém teve o “bom-senso” de a abandonar. A bicha, esfomeada, comia tudo o que aparecesse pela frente, mesmo a comida dos gatos. Como não tenho condições de a ter comigo, levei-a para lá, pois além de espaço, tem o quintal por onde corre, fazendo jus ao seu nome. É um doce de uma cadela, meiga e agradecida…).
Entretanto começaram a aparecer os gatos. Fogem quanto podem dos cães, mas encontraram um local de acolhimento, chegando a aventurar-se mesmo dentro de casa. Ali os espaços são o que são e não há misturas. Podem aparecer, comer, mas… dentro de casa não. Até já se aproximam para receberem festas. Mais um entretenimento.
Nos últimos meses foram as rolas. Compra-lhes comida apropriada e é vê-la deliciada a observá-las também com o domínio do território. Enquanto suas excelências comem, ninguém tem autorização de se aproximar. Levam bicada. Eu já vi! Depois de saciadas dignam-se afastar-se e a abrir o caminho a quem quiser ficar com os restos… Vêm outras rolas, pombas e, no fim… os pardais. Quando todos estão distraídos ou fartos, lentamente, vão-se aproximando e tomam parte no festim.

Neste texto faço diversas coisas:
Homenageio a minha mãe que é um doce. Gostava de um dia ser como ela: atenta, preocupada e distraída com pequenas coisas que a vão afastando da solidão.
Falo do evangelho associando os infiéis e pagãos aos pardais que apenas se contentam com o menor parte, visto que tudo o resto lhes é negado.
Falo dos portugueses/pardais que construíram um império e em pouco tempo o deixaram delapidar.
Interiorizei que prefiro ser como os pardais, isto é, como os mais pequenos. Os grandes deixam-se embebedar pela grandeza, pela mundaneidade, e pelo mostrar em vez de ser.
Prefiro lançar o olhar e saber as linhas com que me coso, em vez de ser olhada com inveja ou até com desprezo.
Ao ser como os pardais dou-me o direito de me construir e crescer a olhar num determinado sentido, sem amarras e com todo a alegria que conseguir granjear.

Gosto de ser como sou, sem dissimulações nem falsas virtudes. Apenas sou!





É importante que se saiba que a medalha da Vanessa também é minha. Depois da vitória ela disse que aquela medalha é de todos os perosinhenses. Sou de Perosinho, que é vila e é a terra onde nasci e vivi até aos 29 anos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Os grandes deixam-se embebedar pela grandeza... Adorei esta frase, companheira, OBRIGADO. E quanto à medalha da Vanessa... EHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEH

Tu querisa era competir no triatlo, EHEHEH

Paulo disse...

excelente artigo

Ana Loura disse...

Gostei muito do texto. Beijinho e...FORÇA no Pai