24/09/2006

Como Te hei-de procurar, Senhor?
Já que, ao procurar-te, ó meu Deus, eu procuro a vida feliz, faze que Te procure, para que a minha alma viva; porque o meu corpo, esse vive da minha alma - e a minha alma de Ti.
Santo Agostinho, Conf. 10.29


Tenho estado muito calada!
A primeira semana de aulas foi à prova de fogo...

Logo na preparação do ano escolar fomos alertados pelo Presidente de que além de nos esperar um ano difícil e muito complicado, os sétimos anos que prometiam.
Aconselhou-nos a termos "tolerância zero" pois os novos alunos estavam referenciados, da escola E B 2, como insolentes, mal-educados e algo incontroláveis.

Como sempre faço, acolho os alunos com respeito.
Explico-lhes as regras da disciplina e dou-lhes conta da minha disponibilidade para tudo aquilo que queiram perguntar e saber.
A semana foi correndo com normalidade, cansativa devido a todas as horas passadas na escola sem um trabalho útil, apenas para cumprir ordens da tutela, numa sequência de aulas, substituições, salas de estudo (em que não há alunos, pois eles não podem ter furos) e trabalho da direcção de turma (burocracias...).
Chega a Sexta-feira!
O dia está todo ocupado com alunos (aulas) e aproxima-se mais uma apresentação.
Dirijo-me para a sala de aula e vejo os alunos a cochicharem.
Continuo...
Começaram logo, logo os trabalhos!
São alunos do sétimo ano.
Entraram entre gritos, palavrões e uma barulheira infernal.
Para mostrar de que lado estava quem mandava, convidei-os a sair novamente e a entrar como mandam as regras.
Regras? Não têm, não querem e não aceitam que os mandem calar.
Destacou-se de entre todos o José Filipe.
Que filme!
Está referenciado como um aluno carente, com dificuldades económicas e situação familiar problemática (Subsídio de Inserção Social. Não sei se é assim que se chama, prefiro chamar-lhe Rendimento Mínimo Garantido).
Será que isso é sinónimo de má-educação?
Permaneceu o tempo todo de costas, a fazer palhaçadas e com apenas duas meninas a apararem-lhe o golpe.
Depois de repreendido e chamado à atenção ainda levantou o braço a ameaçar-me para que ficasse calada porque "senão?..."

No meio de tudo isto, levantou-se um colega, que se sentia incomodado e, se eu não interviesse, teriam andado à pancada.
Nunca me tinha visto dentro de um filme destes...

Só lamento que a tutela se recuse a ver e a responsabilizar quem de direito por todos os maus tratos a que os professores deste país estão sujeitos...
Se eles são inimputáveis quem deverá ser responsabilizado?
Os pais e Encarregados de Educação.
Como?
Com acusação feita, levados a tribunal para responderem perante a sociedade (juiz) pela sua incapacidade de educar e transmitir valores aos seus educandos por quem são responsáveis.
A sociedade civil deveria condená-los a regressarem à escola, não para aprenderem novas matérias que não aprenderam quando deviam, mas para aprenderem e serem avaliados em provas públicas sobre o que é ser cidadão e como transmitir aos seus educandos princípios e regras naturais que dizem respeito a todos os cidadão e não apenas a alguns...
Com isto não defendo campos de trabalho nem casas de correcção. Defendo apenas que aprendam os valores do respeito, da solidariedade e do amor.
Será pedir muito?

O fim-de-semana ajudou-me a serenar e a organizar algumas ideias.

Vou levar como lema desta semana a frase de Santo Agostinho com que abri hoje.
Vou tentar encontrar-Te naqueles alunos, mas aniquilar-me, não.
Sou cristã mas não sou burra! (loura, risos)

Quero que a minha alma viva. Ajuda-me a desbravar o caminho para que os alunos que mais precisam de mim não se vejam defraudados.


7 comentários:

zezezinho disse...

Querida andante, até a bem pouco anos também eu fui estudante, vi e assisti a cenas desagradáveis do alunos pra com os professores, hoje pergunto-me, e hoje ao ler o teu testemunho, perguntei a mim mesmo se eu foi assim em algum momento... não,não foi,fazia algumas brincdeiras é verdade, falava durante as aulas tb é verdade, faltava ás aulas por vezes, mas nunca foi capaz de levantar a voz ou o braço a um professor.Mas aproveitei ao maximo todas as opurtunidades que me aparecram, deixei escapar algumas mas não foi nada de grave... Hoje tenho saudades do tempo que estudava. Tenho andado reparar nessa "cena" da violência dos alunos pra com os professore e acredita que me mete um bocado de confusão, se tem a haver com a educação que têm em casa é verdade, mas tb tem haver com o meio em que está.
Não sei se me faço entender...enfim.
Vai em frente e leva contigo essa frase de S.Agostinho e acredito que O encontrarás em algus daqueles alunos, encontras-O nas coisas mais simples.
Um dia escrevi um texto que fala sobre a minha passagem pela " E.S.R ",ao qual tiveram a amabilidade de publivar no Jornal.
Acho que vais entender que há alunos e alunos, um dia vou coloca-lo no meu blog.
Continua a caminhar. Beijos

um irmão. disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
um irmão. disse...

Andante-Peregrina..fui em tempos, coordenador de um lar de jovens em risco social... aceitei o "cargo" mas só na condição de me deixarem continuar esse trabalho como missionário!!!! 24 horas sobre 24 horas... foram 3 anos de caminho..muito duro, mas acredita... nunca me senti tão bem na vida... soube pela 1ª vez o que era ser Pai..Mãe e tudo... hoje, alguns telefonemas são de abraços e saudades... eles sentiram alguem que os amava....sê paciente.. e ama.. não te é pedido mais pelo Pai... "a Razão do teu Amor..."

joaquim disse...

Cara Andante

Pois é, cada vez mais os pais têm de trabalhar para poderem ter tudo o que o mundo lhes oferece.

Uns porque ainda não têm, outros até já têm demais, mas querem continuar a ter.

E assim os filhos vão ficando cada vez mais sozinhos, mais entregues a eles próprios, às televisões e aos programas sem sentido, (ver a audiência do Wrestling, por exemplo), aos jogos da Play Station, cada vez mais violentos, e por aí fora.

Mea culpa, mea culpa porque vamos sempre dizendo e constatando isto mesmo mas pouco fazemos para que assim não seja.

Como queremos nós que as crianças sejam diferentes?
Que mundo estamos a construir?
Um mundo de tecnologias, de ciências, mas sem valores e sobretudo sem amor.

Sei que é pessimismo e muitos não concordaram, mas os resultados encarregam-se, infelizmente, de ir dando razão ao diagnóstico.

O problema é encontrar a cura!!!

Realmente só no amor de Deus.

Abraço em Cristo
joaquim

Andante disse...

Ser pai/mãe, professor, padre, aluno é sempre difícil. Temos que encontrar a medida certa das coisas, o que nem sempre é fácil...
Hoje fui dar uma aula de substituição e escrevi no sumário: Diálogo com os alunos.
Falamos sobre a impoância da escola e sobre aquilo que eles projectam para o futuro.
Concluí com eles que não podem descurar o percurso mínimo, escolar, para serem aceites como cidadãos no pleno uso dos seus direitos.
Àqueles que me disserem que estavam fartos e só queriam trabalhar para ganhar dinheiro, perguntei-lhes que ocupação iriam ter?
Entre muitas respostas ouvi: Só se for para as obras em Espanha!...
Depois torcem o nariz.
Peguei na deixa e disse-lhes:
- Não gostais da Escola?
- Estais fartos?
- Então é fácil. Trabalhai, acabai isto depressa, fazei o nono ano que logo tendes a escolaridade, podeis tirar a carta (só pensam na carta e no carro!) e arranjar emprego.
Eles bem entenderam o meu desafio!
Abandonar a escola? Nunca!

Brincar nas aulas não é novidade, é saudável!
Ser mal educado é que nunca.
Eu vou desculpando tudo menos a insolência.

Beijos peregrinos e obrigada pelas vossas palavras de carinho.

Anónimo disse...

Que o Espírito Santo te ilumine e te dê a força que precisas.

Beijinho,

Malu

Andante disse...

Obrigada Malu
Bjinhos peregrinos também para ti.