22/10/2006

Só quero a tua amizade!

Voltei ao hospital.
Finge-se alegria e bem-estar.
Brinca-se, contam-se anedotas que deixam de fazer rir e trocam-se olhares.
Lá fora, o Outono mostra-se em todo o seu esplendor com chuva, muita chuva a cair certeira em grossas bátegas para lavar os corações doentes e sofridos das estradas mal lavadas da vida. O vento sopra, feroz, para afastar o temor do que se avizinha e a anunciar a nova estação que está a aproximar-se.
A água empoça e, ao passar dos carros, erguem-se enormes cortinas de água que encharcam os passantes, os mendigos da vida e do amor. A água da chuva transforma-se na água baptismal que adquire um novo sentido, o sentido da vida plena, do Amor e da Entrega, que limpa os pecados...
Então a vida parece deixar-se esvanecer pela dor da perda e do medo, pelo não acreditar e pela falta de esperança.
Pobrezitos! Quantos deles e delas esqueceram a Luz que resplandece, esqueceram o Amor, esqueceram a entrega.
Camas que se esvaziam e de novo são ocupadas. Rostos vazios e sem expressão com olhos, a cada dia que passa, mais desorbitados como a querer saltar par o desconhecido.
Mãos que permanecem quietas e simultaneamente se estendem a pedir calor, amizade e paz, muita paz.
Silêncios que gritam bem alto o que não conseguem compreender nem expressar.

Sinto uma grande confusão por não saber nem poder dar respostas.

Estendo a mão. Cheguei!
Diz-me o que queres.
Não digo, mas penso que sou capaz de mover algumas montanhas para te fazer feliz, para adoçar o que resta da tua peregrinação.
Resposta pronta e que abalou este pobre coração de uma peregrina que não gosta de ver sofrer.
Só quero a tua amizade! E estendeu-me a mão que prendeu fortemente a minha própria mão.
Que troca de emoções se operaram naquele momento.
Os olhos grandes, a cara inchada e uma enorme vontade de receber amor.
Mimei-a com rabanadas e castanhas.
Comeu com vontade e com gosto.
Fiz-lhe uns bolinhos de coco.
Não sabia o que escolher... Foi mastigando tudo quase em simultâneo.

Perguntei-lhe pela minha pintura.
Ainda não pensei.
Então baralham-se-lhe as ideias. Chegam as frases desconexas e sem sentido.
Pergunta-me:
Entendes?
Respondo que sim e fica mais descansada.
Hoje não me chamou pelo nome, embora me tenha associado sempre à escola. Não faz perguntas, apenas ouve. Ria muito! Hoje não riu.
Não reconhecia o lugar onde estava e convidou-me para o jardim. Convidou-me para casa dela.
Agora não vou dizer que não.
Gosta de ler. Vou levar-lhe o último livro do Luís Sepúlveda. Esperemos que consiga lê-lo. Duvido!

Tal como a anterior visita, a de um vizinho, não consegui aguentar mais.
Fiquei agitada e, quase ao fim de uma hora, saí.
Saí confusa, com uma tristeza da cor do céu deste dia carregado de Outono, mas simultâneamente espantada com a resposta que me deu: Só quero a tua amizade!
Tanta solidão e tanto amor para dar! Na singeleza desta frase fez-se ouvir um grito a pedir uma mão estendida, uma mão de amor para atenuar a solidão do caminho e amenizar o que resta do percurso da peregrinação.

Então senti a Tua grandeza que se manifestou em pequenos gestos, em silêncios e numa vontade feroz de lutar pela vida, isto é, aligeirar a mochila dos que sofrem e olhar em frente, em direcção a Ti.

Obrigada Senhor, também eu só quero a Tua amizade.


2 comentários:

Paulo disse...

E por vezes um pedido desses é tão dificil de ser concretizado:(

Andante disse...

Porque custa dar o tal passo!
Lá na escola está tudo cheio de boas intenções, falta de coragem, ... falta de disponibilidade para o outro.
Venho de lá doente, fragilizada, mas vou e continuarei a ir.
É tão simples ajudar alguém a ser feliz, sobretudo no pouco tempo que lhe resta entre nós e por que está sozinha.

Beijos peregrinos.