10/07/2008

Segunda-feira

Estava a teclar, corrigindo um trabalho que está prestes a ser publicado. Não é meu, mas de alguém muito próximo e que confia nas achegas que, paulatinamente, vou introduzindo, de forma a melhorar o texto, alterações para evitar repetências de palavras, para passar da oralidade para a linguagem escrita e mais cuidada.


Enfim, sem prejudicar o raciocínio e a lógica do autor, torná-lo mais apetecível e agradável para aqueles a quem se destina, os leitores. Li, reli, voltei a ler até que ontem, quarta-feira, foi dado por encerrado. Foi hoje para a tipografia e, agora, deixa de ser daquele que o engendrou e passa a ser daqueles a quem se destina.


Estava a processar-se de forma atenta e serena até que… toca o telefone!


MC, preciso de ajuda, gritou do outro lado a mãe.

A minha filha, mais uma vez, pegou numa faca para se automutilar.

Eram dez da noite.

Tentei falar-lhe e, pela primeira vez, rejeitou-me:

-Não quero! Não vou! Não falo!

Encerrei o trabalho, que estava a fluir de forma bem agradável, desliguei o computador, deixei a louça por lavar, a cozinha por arrumar, a roupa por estender…

E voei!

A distância é curta, mais ou menos, dois quilómetros.

[Abri-lhe o coração, uma portita que estava bem escondida, onde apenas entram aqueles que eu permito. Já lá estão muitos, bem docinhos, e que me lembram que estamos nas quatro da tarde! ]

Era o mês de Fevereiro. Chegou pela mão da mãe, numa tentativa de salvar esta filha única que, uma atrás de outra, já atentou e tentou, automutilando-se, pôr fim a uma existência curta mas sofrida e sombria, pela tentativa de copiar falsos modelos que lhe entram porta adentro tanto pelas telenovelas como pelas revistas cor-de-rosa que criam mundos inexistentes ou virtuais.

Não sabe, nem quer, distinguir o ilusório daquilo que é prático e vale a pena viver.

Apenas modelos pré-feitos e publicitados numa ânsia economicista daqueles que apenas pretendem aumentar lucros fabulosos, convidando ao sobre-endividamento e a situações dramáticas de vida, na tentativa de imitar padrões pouco possíveis e inexistentes.

Chamam-lhe sociedade de consumo.

Eu chamo-lhe sociedade da aparência e do faz de conta.

Nas suas tentativas, e já foram várias, contam-se três internamentos.

A única coisa que conta é a aparência, o sentir-se acolhida, o ser aceite.

Não admite ouvir um não…

E ao longo da nossa caminhada ouvem-se tantos!

Não faças…

Não digas…

Não vás…

Não, não, não.


- Eu não quero falar, não quero ouvir.

Dei-lhe a mão.

- Tire a mão e deixe-me.

Não deixei. Falei-lhe, inicialmente, com muita dureza. Depois, foi baixando o tom, até sussurrar. Mostrei-lhe este espaço e fui sentindo que começava a quebrar. Li-lhe o que escrevi sobre as minhas princesinhas e o sofrer calado, sorridente, mas com as lágrimas a deslizar, cara abaixo, numa tentativa de esconder e silenciar o que as fazia querer gritar e a revolta que sentiam. O agarrarem-se à vida e vivê-la com todas as forças.

Mostrei-lhe a diferença entre o querer viver e o arrastar-se pela vida sem sentido e sem vontade para sonhar.


Quando regressei a casa já todos estavam a dormir!

Voltei a ligar o computador.

Estendi a roupa.

Lavei a louça.

Arrumei a cozinha e, quando consegui descansar era tarde, muito tarde.


Na terça-feira tive formação.


Arrastei-me todo o dia… mas consegui ganhar mais um dia, ou uns dias, até que aconteça nova crise.

É nestes momentos que gostava que o relógio parasse e não tivesse nada para fazer.


3 comentários:

Anónimo disse...

GOSTO MUITO DE TI

Anónimo disse...

É tão bom ter-te como amiga! obrigada por ti.E assim como o que saiu das minhas entranhas,também eu gosto muito de TI!!!!!!!!!!
Um abração daqueeeeeeles, amiga....
Maria Correia

Anónimo disse...

Um retalho de um dia atribulado, espero que tudo se normalize para ver depois, aqui,descrição de melhores momentos.
Parabéns pela sua escrita.
Bom resto de domingo na companhia dos seus.