23/10/2009

Silêncio


Prostrei-me diante de ti despida de tudo o que me fizesse distrair.
Coloquei-me no silêncio mais profundo de mim para te ouvir sussurrar ao ouvido.
Fiz silêncio e ouvi.
Quando, no início da minha carreira e barulhentos, trabalhei no jardim infantil, desafiei muitas vezes os meninos a ouvir o silêncio. E repetia o exercício vezes sem conta. Tinha por objectivo “escutar o silêncio”, isto é, ouvir o que não é possível escutar quando estamos agitados quando temos o “espírito” ocupado do supérfluo e acessório, esquecendo-nos daquilo que nos rodeia e que existe, nós é que não estamos disponíveis para ver, ouvir e sentir.
E escutei o silêncio.
E falaste-me:
• No pipilar esvoaçante dos passaritos que alegres conversam entre si a organizar as suas rotinas em busca de alimento para saciarem os seus papos pequeninos e das gotinhas de água para lhes mitigarem a sede.
Os passaritos agradecem a vida sem reservas e descansam no calor do ninho onde recolhem ao anoitecer. E é ouvi-los “conversar” e contar as peripécias de um “longo” dia esvoaçante e de observação dos humanos que nunca têm tempo e não param para se ouvirem, quanto mais para ouvirem-se a si próprios.
• No som do vento que ora tormentoso, ora brisa suave, ajuda a folhagem das árvores a conversarem entre si e a cantar o canto suave do roçar das folhas. Algumas, já cansadas de se agitarem durante um longo período de seca, desistem e deixam-se cair, atapetando o espaço em volta e adquirindo as belas e quentes cores do Outono. Cores fortes e maduras do Outono da vida que tem que ser vivido intensamente, embora com algumas precauções e atenções. Começam os achaques!
• Nas portas que se abrem, chiando muitas vezes nos gonzos, e deixam entrever a beleza exterior que nem sempre inebria, nem envolve quem se fecha em si mesmo e se deixa envolver por estados depressivos e pessimistas;
• Na chuva que alivia os calores intensos do Estio. Refresca e vai cumprindo o seu papel de alar a sede dos corpos e dos espíritos.
A água que é vida, é sabor, é alívio.
A água que faz “nascer” de novo.
A água do Baptismo que acolhe, de braços abertos e disponíveis, no teu Reino.
E pára o vento. Pára a chuva. Sente-se o cheiro agradável de terra molhada. As sensações deixam-se desencadear à flor da pele que serena e começa a sentir a paz descer e fluir, qual ribeiro alegre que parte à descoberta do que está mais além e nem sempre é o desconhecido.
Estou preparada para, então, contemplar o Teu rosto, a Tua voz, o Teu amor.
Estou preparada para sentir que estou viva porque nunca desistes de mim nem daquilo que eu sou e quero ser.
Agora sim. O silêncio instalou-se e eu estou disponível.

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